domingo, 20 de julho de 2014

os manholas


O homem,todos os dias, lia aquele pasquim antes de ir para o trabalho. Sentava-se sempre na mesma cadeira, na mesma mesa da pastelaria. Sem que alguem conseguisse descortinar, ao fim de alguns minutos de leitura, começava a soluçar e as lágrimas corriam-lhe pelas faces abaixo. Entre os golos da bica murmurava algo imperceptível como se denunciasse uma revolta incontida.
O Manel, empregado de mesa, baixo e já um bocado manco por causa de um menisco, olhava-o de soslaio condenando com um abanar suave da cabeça aquela cena, que já conhecia de longa data. Mas, naquele dia o Manel chateou-se – o homem consumia guardanapos em barda – dirigiu-se a ele e com um ar decidido trocou-lhe o pasquim pela Bola.
“A partir de hoje só lê a Bola” , afirmou o Manel e o homem até aceitou. Na verdade, aquele horroroso pasquim era um desastre, desde a primeira pagina até à última, era só violência gratuita, facadas, machadadas numa mulher, violações, choques frontais, quedas do 10º andar, mordeduras de pit-bull, uma procissão de desastres, que só podem fazer mal  à vista. O Manel até me disse que as machadadas numa mulher já constavam na edição de há dois dias atrás.
Mas, não era só isso, é que o homem ocupava o pasquim mais de meia hora e os outro clientes ferviam.
Havia  um outro, furioso por não chegar a sua vez, que perdia tempos infinitos com as bundas nas várias posições possíveis e impossíveis.
O Manel até me disse que enquanto ele não se babasse com todas as bundas não largava o osso.
Indignado, o Manel, dirigiu-me a palavra, ontem: - já viu a fotografia do pasquim do avião que foi abatido por aqueles bandidos? Admite-se que não haja um pedacito de vergonha por expor aquelas tristes imagens?
Olhei a foto no pasquim onde restavam pedaços de corpos das vítimas e falei com os meus botões “ estes cabrões fazem tudo para vender e ocupar o top de vendas ...”.
Nunca comprei este pasquim porque gosto de seriedade nas coisas e não alimento o cheiro que tresanda.

1 comentário:

jrd disse...

É o que se chama pôr o dedo na ferida, ou melhor, na chaga que é aquele pasquim nojento.
Grande texto.Implacável e muito bem escrito.